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Conheça Cris Barros, a chef que luta pela valorização do bolo de noiva pernambucano

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Para a chef Cristianne Boulitreau de Menezes Barros, mais conhecida por Cris Barros, bolo de noiva é coisa séria. Envolve tradição, cultura, afetividade, raiz e renda. Mas não se trata de qualquer bolo de noiva. Aqui, estamos falando da iguaria de sabor único nascida em Pernambuco, no Nordeste brasileiro: um bolo escuro, sem recheio e de massa encorpada, com a presença de vinho, passas, ameixas e frutas cristalizadas. Um bolo que atravessou gerações e se fez presente, quase que de forma religiosa, nas principais comemorações familiares dos últimos séculos do estado.

 

Cris, que há anos atua na área de pâtisserie e tem uma relação afetiva com o doce em questão, tomou para si a importante missão de tornar o bolo de noiva um Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, assegurando assim a valorização e perpetuação da iguaria na história do Brasil. Inclusive, nesse aspecto, tudo indica que uma grande vitória se aproxima.

 

Professora de gastronomia há mais de 13 anos, Cris também construiu uma bonita história ao atuar na formação profissional de centenas de novos cozinheiros, servindo de inspiração e guia no universo da confeitaria, panificação e chocolataria do estado.

 

Quer saber mais sobre a chef que dedica sua vida à transmissão de saberes, cultura e conhecimentos? Vem com a Rede Food Service.

 

Relação com a gastronomia

 

Cris cresceu vendo o amor que a mãe, uma boleira de família e de bairro, dedicava à produção dos bolos, principalmente, ao bolo de noiva pernambucano. Em Caruaru, cidade do Agreste de Pernambuco, a mãe de Cris costumava fazer bolos em casa para então levá-los para assar em padarias da região. “Eu cresci tendo essa vivência, envolta de receitas de vó e de mãe, construindo uma relação afetiva com a cozinha”, relembra.

 

A chef ainda ressalta o exemplo de superação dado por sua mãe: aos 29 anos, a boleira foi vítima de um derrame cerebral que paralisou o lado esquerdo do seu corpo. “Mesmo assim, mamãe, uma mulher guerreira, nunca deixou de fazer um docinho, uma empada… Mesmo com uma mão só, não existiam desafios para ela. Cresci observando mamãe fazer bolos. Lembro que às vezes ela pedia meu auxílio para cobrir um pedacinho de bolo escuro que aparecia no glacê branco, um trabalho realizado minuciosamente com um palitinho. Minha primeira e mais importante referência na confeitaria e nos bolos com certeza é ela”, diz, ressaltando que ao longo do caminho encontrou outras mulheres que serviram de inspiração e referência na confeitaria, porém, a construção da afetividade gastronômica começou na cozinha da sua casa.

 

Formação e trajetória

 

Cris Barros é formada em gastronomia e pós-graduada em alta gastronomia, além disso, recentemente terminou o mestrado em Ciências da Educação. Ela também tem cursos na área de panificação intensiva, panificação funcional e diversos cursos de confeitaria feitos no estado e fora dele. “Minha mãe tinha o dom da confeitaria e isso me fez ter vontade de dar continuidade ao trabalho iniciado por ela”, conta.

 

Antes de iniciar sua trajetória, Cris dava aulas particulares. “As mães deixavam as crianças e deveriam buscá-las por volta das 13h, porém, muitas deixavam os filhos a tarde toda comigo, então decidi pegar o caderninho da minha mãe e colocar em prática as receitas de salgadinhos. Um dia, uma mãe viu, provou e resolveu fazer uma encomenda”. Assim, Cris seguiu ministrando aulas particulares e produzindo salgados por encomenda.

 

A Chef Cris Barros – Foto: Divulgação – Rede Food Service

 

A virada de chave veio quando uma das mães levou alguns salgados de Cris para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mais especificamente para o departamento de informática, que hoje é conhecido como CIn – Centro de Informática. “Algumas pessoas provaram e gostaram. No dia seguinte, ela encomendou 100 unidades e a partir desse momento não parei mais de trabalhar com gastronomia”.

 

Acontece que logo depois, o chefe do departamento de informática da UFPE, que na época era Silvio Meira, um cientista, professor e empreendedor com atuação na área de engenharia de software e inovação, que também fez parte da iniciativa que fundou o Porto Digital, propôs um grande desafio para a chef: comandar o buffet de uma recepção para o então Presidente da República, com 600 convidados.

 

Ela topou. E do desafio, nasceu sua própria empresa de buffet. “É tanto que Silvio Meira sempre diz que essa foi a primeira empresa incubada dele”, diverte-se. O buffet, um negócio que durou 25 anos, começou primeiro com a entrega de salgados, para logo depois abraçar os eventos sociais e corporativos. Cris relembra que isso a fez trabalhar com grandes e importantes empresas e instituições. “Eu preparava com dedicação todos os salgados e doces, de forma artesanal, com a ajuda da minha família e de algumas colaboradoras. Algo que me marcou muito nessa trajetória e foi uma das minhas maiores realizações profissionais foi fazer o bolo de 50 anos do Banco Central. Um bolo que precisava ter a mesma massa, o mesmo recheio, a mesma cobertura e a mesma decoração, além de ser servido às 15h, impreterivelmente, em todas as capitais brasileiras. Minha única tristeza é que eu não pude fazer o bolo de noiva pernambucano na encomenda. A solicitação foi uma massa branca, o que me deixou triste, mas orgulhosa ao mesmo tempo por ter sido escolhida para a missão”.

 

Com o buffet, em 2011, Cris Barros recebeu uma premiação nacional da Nestlé Professional. Ela concorreu e venceu na categoria Melhor Brigadeiro do Brasil. A receita premiada era de um brigadeiro sabor bolo de noiva pernambucano. Ele, sempre ele, o bolo de noiva permeando a história da chef.

 

Cris atualmente também participa da Assucar, a Associação da Confeitaria de Pernambuco, formada por mulheres que buscam resgatar, ensinar e manter a tradição dos doces e bolos da cultura pernambucana.

 

Amor por ensinar

 

“Em 2009 recebi um convite da coordenadora da Faculdade Senac Pernambuco para participar de uma seleção para lecionar em confeitaria, panificação e chocolataria na instituição. Em 2010 fui contratada e lá se vão 13 anos de atuação na área”, diz a chef. Atualmente, ela dá aulas nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Senac, buscando sempre incluir em suas aulas práticas lições específicas sobre os bolos regionais, com destaque especial para o bolo de rolo e o bolo de noiva pernambucano.

 

Nesses 13 anos ela também lecionou, de forma temporária, em outras instituições, como a Uninassau, Faculdade de Boa Viagem e na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Somando todas as turmas, Cris Barros acredita já ter formado mais de mil alunos nesse período dedicado às salas de aula.

 

A Chef Cris Barros – Foto: Divulgação – Rede Food Service

 

A chef, de forma paralela, também costuma ministrar oficinas sobre os bolos regionais. “Inclusive, a próxima deve ser realizada em breve em Serra Talhada, município do Sertão de Pernambuco. Logo depois pretendo fazer uma na capital do estado, para as boleiras da Comunidade de Santa Luzia”, revela.

 

A proximidade com as boleiras estaduais, inclusive, foi uma sugestão dada a Cris por uma das professoras da sua própria graduação, Cleonice Ferraz. Foi ela quem incentivou a chef a conhecer as boleiras e a ter vivências gastronômicas e culturais com elas.

 

Missão Bolo de Noiva

 

Não é difícil perceber que Cris tem como missão de vida a tarefa de divulgar mais o bolo de noiva pernambucano. “A ideia é fazer com que mais pessoas e mais boleiras compreendam o saber e o fazer desse bolo. Passar para elas que essa iguaria é cultura e é tradição do nosso estado. Essa é minha função”, diz.

 

Desde 2010, quando entrou na Faculdade Senac, Cris levou para a instituição um evento chamado “A Arte da Confeitaria Pernambucana”, que tem como função homenagear as boleiras de bairros e de cidades do estado. “A ideia é dar visibilidade à importância cultural dessas profissionais e à tradição do bolo de noiva pernambucano, promovendo com isso um resgate da cultura do glacê mármore e da cana sacarina, material que até hoje cobre os bolos de noiva”, explica.

 

A Chef Cris Barros – Foto: Divulgação – Rede Food Service

 

O evento acontece normalmente de seis em seis meses, com as turmas de confeitaria, dando aos alunos a chance de visitar boleiras e estudar trajetórias e receitas. “Algumas das boleiras não se incomodam de passar suas receitas, outras preferem guardar segredo, já que há também essa tradição de receita de família quando o assunto são os bolos. Esse evento, que já chegou a reunir mais de 300 pessoas, ajuda instituições sociais e conta com apresentações e mesas redondas formadas por profissionais da área”, conta a chef.

 

Para Cris, falar do bolo de noiva pernambucano é o mesmo que falar sobre vida, família, cultura e tradição. “O bolo de noiva está presente nas memórias afetivas, é presença marcante em todos os eventos sociais, o que passa pelo nascimento, batizado, primeira comunhão, 15 anos, bodas, casamentos… É no casamento que ele é presença marcante. Depois da noiva, ele é o mais esperado”, exalta. A chef ainda relembra a tradição das noivas de guardar um pedaço do bolo para comer nos anos posteriores à cerimônia, como uma forma de trazer prosperidade ao casamento. “Guardado no congelador, ele não estraga porque o vinho contribui para sua conservação”, diz.

 

Tradicionalmente, a iguaria ainda carrega consigo outras duas importantes culturas estaduais: a da cana sacarina, através do glacê mármore que reveste a massa escura do bolo; e também a cultura das rendeiras, já que a renda renascença é, até hoje, utilizada pelas boleiras tradicionais na decoração do bolo de noiva. Apesar disso, como tudo no mundo, a decoração também se reiventou. Hoje, há outras modalidades bastante populares. Uma delas são os chamados naked cakes, que misturam o glacê mármore com partes aparentes da massa escura, conferindo um tom de sofisticação e modernidade ao bolo.

 

Origem do bolo de noiva

 

“Estamos falando de um bolo de cor escura, único no país, que não recebe recheio. Seus diferenciais estão dentro da massa, composta por passas, ameixas, frutas cristalizadas e vinho. Essa mistura transforma esse produto em um bolo de sabor único, com umidade e textura diferenciadas”. Apesar disso, Cris reforça que cada boleira tem sua receita. “A partir da fórmula tradicional, foram criadas releituras, que são assinadas e ajudam a perpetuar a tradição”.

 

Inclusive, Cris explica que o bolo típico dos casamentos pernambucanos já é uma releitura. A iguaria surgiu a partir de uma receita trazida para o estado pelos colonizadores ingleses. “Acredita-se que este bolo surgiu de uma adaptação de um bolo de origem britânica, através da colonização inglesa em Pernambuco. Era uma receita de bolo branco com frutas cristalizadas e vinho que foi adaptada nas cozinhas dos grandes engenhos de açúcar, onde era comum a adição de ingredientes nativos às receitas de família”, explica.

 

Dessa forma, a cereja deu lugar a ameixa. Passas foram acrescidas às frutas cristalizadas. O vinho do Porto, que era caro, foi substituído pelo moscatel. E, ao longo dos anos, a adaptação ganhou vida própria. A receita reinventou-se no estado, transformando-se em um bem da culinária pernambucana.

 

Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco

 

A luta pelo reconhecimento do bolo de noiva pernambucano como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco parece estar em sua fase final. De acordo com Cris Barros, ela já fez uma proposta de projeto de lei que foi enviado para a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe). Lá, quem abraçou a causa foi o deputado Fabrício Ferraz, levando a proposta para votação. Com unanimidade, o projeto foi aprovado pelos deputados.

 

“Porém, desde 2019 que todo produto para ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco precisa ser registrado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Fundarpe). Então, vai fazer dois anos, no mês de maio, que a Fundarpe está com esse projeto, fazendo levantamentos relacionados à comunidade produtiva, movimentação econômica do estado e geração de renda pelas boleiras. Recentemente, tivemos uma boa notícia: parece que o processo está em sua fase final, o próximo passo é o registro. Assim, se tudo correr bem, o bolo de noiva será o primeiro a ser registrado pela Fundarpe, já que o bolo Souza Leão e o bolo de rolo têm a lei, mas não o registro. Será um marco”, comemora.

 

Cris explica que essa luta também passa pelo desejo de repassar todos os conhecimentos que ela tem sobre a iguaria para mais e mais boleiras pernambucanas, antigas e novas. “Espero que elas possam dar continuidade ao trabalho, contribuindo com a educação cultural, passando conhecimentos na produção do bolo… Isso é importante para a contínua popularização e manutenção da tradição do bolo de noiva”.

 

Uma iguaria, inclusive, que de tão famosa, chega a ser exportada para outros estados e países.

 

Visão de mercado

 

A chef enxerga o mercado da confeitaria, panificação e chocolataria como um mercado em crescimento. “É uma área cheia de possibilidades, repleta de tendências e inovações. Sem falar que estamos falando de um setor importante para a geração de emprego e renda para as famílias. Há oportunidades para todos, dos pequenos aos grandes. Com um mercado amplo assim, vale a pena investir”.

 

Dica de chef

 

O recado que Cris deixa para quem está começando é: faça tudo com amor, isso trará conquistas. “No início, pode ser difícil, pode parecer que a concorrência é desleal, mas não desista. Trabalhe com qualidade, com amor e dedicação, busque se aperfeiçoar, valorize suas raízes, cultura e tradição. Precifique também, estude o mercado. Passe a conhecer as tendências que vão surgindo e acredite na sua capacidade. Fazendo com amor e empenho, não tem como não ter sucesso”.

 

Confira também aqui na Rede Food Service: Marcelo Milani desvenda que vida de chef não é nada glamourosa, mas muito gratificante

 

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Anna Katia Cavalcanti
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