Ao longo da minha experiência trabalhando com o setor de food service, tenho notado uma mudança significativa nos hábitos alimentares da população brasileira, um movimento que tem ganhado mais força nos últimos anos. Até algum tempo atrás, o veganismo e o vegetarianismo eram vistos pelo mercado como um nicho bastante restrito e com uma ligação com grupos ativistas adeptos de uma alimentação alternativa.
Um estereótipo que cada vez menos reflete a realidade da nossa sociedade. Uma pesquisa conduzida pelo Ibope, em 2018, já revelava que 14% dos brasileiros se autodeclaram como vegetarianos, número que, provavelmente, deve ser ainda maior nos dias atuais. Outro dado impressionante vem da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). Segundo a entidade, existem 7 milhões de pessoas veganas no Brasil, a maior população entre todos os países da América Latina, o que mostra que a mudança de hábitos vai muito além da alimentação. Importante considerar ainda outros movimentos importantes, como os flexitarianos (cujas dietas se baseiam em alimentos à base de vegetais) e os piscitarianos (que consomem peixes e frutos do mar).
Mas não são apenas esses grupos que provocam a disrupção no mercado de food service. De uma forma geral, há um movimento para reduzir o consumo de carne e produtos de origem animal. Um bom exemplo nesse sentido é a campanha “Segunda Sem Carne”, que busca incentivar as pessoas a optar pela proteína vegetal pelo menos uma vez por semana. Em 2022, segundo dados do The Good Food Institute, 67% dos brasileiros afirmaram ter diminuído o seu consumo de carne, um aumento expressivo de 17 pontos percentuais em relação a 2020.
O Sistema Fecomércio, por meio da Faculdade Senac, investe em projeto de alimentação sustentável para combater o desperdício
A presença crescente de influenciadores e celebridades que promovem o veganismo e o vegetarianismo nas redes sociais tem contribuído para a popularização desse estilo de vida. Com campanhas de conscientização e compartilhamento de receitas e experiências pessoais, essas figuras públicas inspiram seus seguidores a experimentarem dietas à base de plantas.
Seja motivada pela maior saudabilidade ou por consciência ambiental, o fato é que essa mudança de comportamento impõe desafios e oportunidades para o setor de food service, que já vem reagindo a esse fenômeno com um número crescente de estabelecimentos veganos e vegetarianos e maior diversificação do cardápio em restaurantes, cafés e, até mesmo, lanchonetes.
Entre os exemplos, redes de fast food agora oferecem opções à base de plantas em seus menus e empresas de catering e serviços de entrega de refeições também estão investindo em opções veganas para atender essa clientela cada vez mais diversificada. A agricultura sustentável – assunto de que gosto e me orgulho de fazer parte – deve ser uma aliada do setor, contribuindo para a criação de pratos com ingredientes locais e sazonais.
O mercado de plant-based nos mostra um pouco do potencial que o food service pode explorar nos próximos anos. Segundo um levantamento da Euromonitor, divulgado pelo The Good Food Institute Brasil, o setor à base de plantas está prestes a superar a marca de R$ 1 bilhão em vendas no varejo. Uma excelente notícia, que tende a impulsionar a inovação e a consequente expansão desse mercado.
Como disse pouco antes, toda mudança impõe desafios. As empresas do setor devem ter um olhar diferenciado para o treinamento de suas equipes. Ao chegar a um restaurante, o cliente espera ter uma experiência premium, independentemente do prato que seja escolhido. É importante que as equipes estejam preparadas para preparar e servir as opções veganas e vegetarianas com a mesma qualidade e cuidado das tradicionais.
Outro ponto que gostaria de destacar é a logística envolvida na aquisição de ingredientes especializados. Além da questão da precificação, eles possuem uma oferta mais restrita, o que exige dos estabelecimentos planejamento para a aquisição desses produtos.
A mudança no hábito de alimentação dos consumidores é, na minha opinião, um caminho sem volta. Cabe ao setor de food service estar no centro dessa revolução com a responsabilidade de se antecipar e atender a essas demandas crescentes.
Sobre o autor
André Gasparini é diretor Comercial, de Marketing e P&D da Agropalma, a maior produtora de óleo de palma sustentável das Américas. O executivo atua há mais de 20 anos na companhia, com passagens por áreas como a gerência responsável pelo segmento de food service e distribuição para os mercados nacional e internacional. É engenheiro de alimentos graduado pela Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) e especialista em Trade Internacional de Óleos e Gorduras pela FOSFA (Federation of Oils, Fats and Seeds Association) de Londres (ING), com MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).