Comer com consciência tem se apresentado como uma tendência a ser considerada pelos food services para atender uma parcela importante de clientes que buscam mais conexão com sua alimentação, compreendendo a autorresponsabilidade sobre a saúde alimentar. O conceito de mindful eating, ou comer conscientemente, é uma adaptação do conceito de mindfulness aplicado a área específica da alimentação, e ainda que já venha dando sinais de crescimento há alguns anos torna-se, neste momento, um movimento mundial com notável crescimento de adeptos.
Mindful eating é, basicamente, meditar com sua comida. Nada mais. Comumente associamos meditação às práticas espirituais ou religiosas, entretanto existem muitas maneiras de meditar, considerando que o objetivo é o foco mental em uma atividade, em um pensamento ou até em um objeto, a fim de alcançar um estado mentalmente claro e emocionalmente estável que nos permita compreender completamente o processo que vivenciamos.
A técnica utilizada muitas vezes é confundida com o próprio ato de meditar, o que no caso do mindful eating pode tornar o conceito confuso. É possível meditar de garfo e faca? Sim. E considerando a própria definição de meditação como a condição de autocentrar-se e desligar-se do mundo exterior, voltando a atenção para dentro de si ou concentrando-se intensamente em algo, fica claro que o alimentar-se com consciência está ligado à total atenção na ação de comer e no alimento apresentado. Desconectar-se do externo, do que pertence ao ambiente, a fim de conectar-se profundamente com o interno, com as questões físicas, emocionais, sociais e simbólicas do nutrir-se.
Estamos falando de uma abordagem alimentar concentrada na experiência sensorial de um individuo com a comida. Sensações relacionadas à história do alimento oferecido, ao próprio corpo e aos pensamentos e sentimentos sobre comer vêm à tona.
Importante ressaltar que não há correlação entre mindful eating e qualquer tipo de dieta, o processo consiste no aumento de consciência e diminuição de julgamento, não tendo qualquer outra finalidade. Do aumento da atenção sobre as escolhas alimentares surge o entendimento de que bem-estar e alegria são gerados a partir de uma alimentação consciente.
Considerando a quantidade de refeições feitas fora de casa, é evidente que o FS tem papel fundamental no crescimento deste movimento. E independentemente do já conhecido conceito de comfort food, ou da comida que ‘lembra a casa’. Mindful eating é um exercício mental sobre o comer, que independe do tipo de comida escolhida.
E se é um ato de desconexão com o que está fora para possibilitar uma conexão maior com o que está dentro, uma experiência individual, o que os serviços de alimentação podem oferecer para possibilitar esta experiência?
O primeiro ponto é a excelência no alimento entregue ao público. Seja qual for o modelo ou estilo do operador, a busca por uma produção de alta qualidade, padronizada e saborosa determina parcialmente a possibilidade do mindful eating. Se o alimento não chega às mãos do cliente de maneira adequada o prazer inerente ao ato de comer se perde, a concentração não se estabelece. E é sempre importante ressaltar que a alimentação fora do lar prazerosa é aquela em que se recebe a comida da maneira solicitada, parecida com as imagens apresentadas, com sabor e texturas condizentes com o que se promete. Para todo tipo de matéria-prima e para qualquer grau de complexidade do preparo, de uma cocção sous-vide de horas até um café – aliás, o café é um ótimo exemplo de resultado aparentemente simples que traz consigo necessidade de bons insumos e um preparo por vezes complexo.
Outro ponto a se considerar é como essa alimentação é entregue ao público. Quando o consumo acontece na unidade de alimentação a preocupação com o ambiente é fundamental. Ambientes mais agradáveis possibilitam experiências mais conscientes de alimentação. Alguns exemplos são os espaços projetados para permitir maior privacidade dos clientes, aromas regulados e muitas vezes desenhados especificamente para a operação, ventilação agradável, escolha de cores coerentes com a proposta de alimentação apresentada, limpeza e, evidentemente, staff solícito, gentil e acolhedor. E por que o ambiente é importante se é uma atividade de desconexão com o que está fora? Porque o entorno agradável, onde o ser humano se sente acolhido, à vontade e seguro, é propício para que ele se permita concentrar-se apenas em sua comida.
E até mesmo a alimentação delivery, que se propõe ao consumo externo aos estabelecimentos, pode – e deve – ater-se à preocupação com o mindful eating. As embalagens utilizadas, a acomodação e o transporte são muito importantes, tanto quanto a manutenção da qualidade dos alimentos. Além de ser necessária a preocupação para que o prato entregue mantenha a maior quantidade possível de características do que é servido no salão para operadores que mantém as duas modalidades.
É a experiência da alimentação 360º cada dia mais próxima, possível a todos os canais que se propõe a oferecer quaisquer tipos de refeições uma vez que adotam o entendimento da alimentação como um processo que envolve o cliente de maneira completa. Um modelo de oferta de alimentos que considera o ser humano integral e se destina a suprir as necessidades sensoriais ligadas ao alimentar-se, indo muito além da nutrição para a sobrevivência. A comida que atende os cinco sentidos nutre a humanidade de quem a recebe e permite a meditação, o reencontro consigo por meio da alimentação, no ato de sentar-se à mesa e realizar uma refeição.
Confira outros artigos da autora com exclusividade para a Rede Food Service.
Alessandra Gaidargi é jornalista com MBC em Comunicação Empresarial e Institucional. Mestre e Doutora em Educação e Mídias. Pós doutora em Culturas de Paz. Autora de livros e artigos nas áreas de educação, comunicação e maternidade, tendo como uma das áreas de pesquisa a relação entre alimentação e culturas. Tem atuado há 14 anos no segmento de food service, gastronomia, nutrição e mercado de luxo, como editora em grandes veículos do segmento, como assessora de comunicação no CRN-3 e como consultora. É docente universitária nas cadeiras de marketing em gastronomia, comunicação em serviços de alimentação e nutrição, fotografia e processos dialógicos. Atua também em mentorias individuais e corporativas.