Um bolinho redondo, fofinho, com recheio e um sabor para lá de especial. Essa é a melhor descrição para o tradicional sonho, o doce que nunca sai de moda no food service brasileiro.
Mas, você sabia que, mesmo sendo uma receita mais que do que popular entre os brasileiros, empresários alegam que investir em produzir e vender sonho é sempre um bom negócio no nosso país?
Pois é!
Por isso, hoje, nós da Rede Food Service fazemos questão de te contar um pouco da história dessa iguaria, que, inclusive, a cada dia mais, vem sendo o produto carro-chefe de estabelecimentos de alimentação fora do lar espalhados pelo Brasil fora, como é o caso da Sonheria DonnaJu, localizada em Foz do Iguaçu, no Paraná. “Foi durante a pandemia de Covid-19 que as vendas dos sonhos intensificaram. Costumamos dizer que os sonhos nos salvaram literalmente, pois a venda de outros itens, como os bolos decorados para casamentos que também produzimos, tiveram suas vendas zeradas por um longo período na pandemia e, enquanto isso, os sonhos não só se mantiveram nas vendas, como tiveram épocas que tivemos a produção triplicada para atender a demanda. Hoje, em média, vendemos em torno de 1.200 a 1.500 sonhos por mês, um retorno maravilhoso. E, desde que começamos, em 2016, ele se tornou o nosso principal produto na loja que, aliás, mudou até de nome por causa deles. No começo, éramos a Confeitaria DonnaJu e, hoje, somos a Sonheria DonnaJu. Estou com o sonho no menu desde 2016 e, até então, o mercado só tem crescido cada vez mais. Se for bem trabalhado e souber se ajustar as demandas de mercado locais, com certeza, produzir e vender sonhos será sempre um sucesso”, assegura Adriana Boccomino, de 39 anos, graduada em Hotelaria e pós-graduada em Gastronomia Autoral e Chocolataria, empresária e proprietária da Sonheria DonnaJu, em entrevista exclusiva à nossa reportagem.
Roberta Ferraro, de 35 anos, formada em Hotelaria, com especialização em Confeitaria Italiana, atual Confeiteira e Diretoria da Confeitaria Dulca, que já possui mais de 60 anos de história na cidade de São Paulo, capital, é outra empreendedora que garante a aposta no sonho. Afinal, bisneta dos fundadores da Dulca, ela resolveu desenvolver novos sabores do tradicional sonho já servido há anos pela doceria e, junto com sua irmã, Isabella, que possui formação na mesma área, criaram e abriram a Sonheria Dulca, negócio especializado em sonho. “Depois que lançamos a Sonheria Dulca, vimos várias outras pessoas empreendendo com esse produto. É um produto fácil de ser consumido e que já faz parte da vida dos brasileiros. O sonho não é moda não! É tradição! Então, eu acredito que veio para ficar e espero que, cada vez mais, a gente saiba valorizar o que é nosso em vez de ficar superestimando o que vem de fora. O Brasil e a cultura brasileira são muito ricos. Somos criativos. Precisamos olhar para as nossas tradições e mantê-las vivas”, afirma.
E, aí? Ficou interessado (a) em também produzir e vender sonho no atual mercado brasileiro de alimentação fora do lar? Então, que tal agora aprender uma pouco mais sobre esse atemporal doce?
A origem do sonho
Apesar de ser um doce considerado até um verdadeiro ‘queridinho dos brasileiros’, o sonho não é uma receita 100% nacional, como explica Débora Borba de Souza, Tecnóloga em Gastronomia, com pós-graduação em Cheff de Cuisine e Patisserie, atual Instrutora dos cursos de Hospitalidade e Gastronomia do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial EAD Paraná (Senac EAD/PR): “com várias versões, a história mais aceita sobre a origem do sonho é que um recruta afastado do exército regressou a Berlim, na Alemanha, para a cidade natal de Frederico, o Grande, e voltou a trabalhar como ajudante de padeiro. Mas, ele não esquecia do canhão e do barulho produzido pelas balas ao explodirem. E, recordando tal experiência, inventou um pãozinho doce, a bola de Berlin. Sabe-se que ele moldou as bolas de massa de farinha de trigo, leite, açúcar e ovos, que deixara levedar, dando-lhe o formato e o tamanho dos projéteis de um canhão. Porém, em vez de assá-las no forno, fritou-as em um enorme recipiente de metal. Teria nascido assim, no reinado de Frederico, o Grande, o Bolo Berlinense de Frigideira, Berliner Pfannkuchen, a Bola de Berlim, Berliner Ballen, ou Berlinense, o Berliner, que, hoje, é o nome dominante em muitos lugares da Alemanha. No Brasil, o pãozinho doce e fofo foi batizado de Sonho de Padaria, chegando por influência dos imigrantes germânicos desembarcados entre os séculos XIX e XX. As primeiras referências ao seu preparo entre nós vieram do Rio Grande do Sul. Um contingente pioneiro de imigrantes alemães foi instalado em 1824, na atual cidade de São Leopoldo, perto de Porto Alegre. Em São Paulo, o Sonho de Padaria teria sido introduzido entre as décadas de 1920 e 1930. Nessa época, os padeiros o rechearam da maneira tradicional: com creme de baunilha, leite, gemas, açúcar, farinha de trigo e manteiga. Mas, agora, também usam doce de leite, chantilly, goiabada e doce de banana. A receita foi aperfeiçoada, a massa se tornou mais leve e se reduziu o tamanho do pãozinho. Existe ainda uma versão assada no forno do sonho e não frita. O Sonho de Padaria alcançou popularidade na capital paulista a partir da década de 1940, graças ao saudoso padeiro Benjamin Abrahão, paulista de Franca, e de sua mulher, a espanhola Maria Luísa. No começo, o casal o vendia na feira. Eles mantinham uma banca chamada La Espanhola, em homenagem à Maria Luísa”, contextualiza.
Segundo Ferraro, da Confeitaria Dulca e Sonheria Dulca, “depois de muito pesquisar sobre esse doce, acabei entendendo que é uma receita facilmente encontrada em vários países do mundo com nomes diferentes, como Bola de Berlin, Krapfen, Donuts, Bombolone, Sonho e por aí vai… Na Dulca, a origem veio do Bombolone, que é a versão italiana desse doce e que meu bisavô chamou de sonho por ser o nome mais popular aqui no Brasil. O Bombolone é uma massa rica fermentada e frita que, tradicionalmente na Itália, é recheada com geleia de damasco ou creme baunilha e, atualmente, também com creme de avelãs”, acrescenta.
Boccomino, da Sonheria DonnaJu, complementa que “criado no século XVII por um padeiro alemão que decidiu fritar a massa ao invés de assá-la, o sonho ganhou o mundo. Batizado de Bola de Berlim na Europa, no Brasil, ele chegou no século XX em padarias da capital paulista. Massa rica em ingredientes, com alvéolos delicados, de sabor neutro, nem doce e nem salgado, frito em temperatura média, de cor dourada e com uma cinta em toda sua circunferência que indica exata fermentação e tempo de crescimento da massa. Recheios cremosos que contrastam com a leveza da massa e, para finalizar, uma camada de açúcar delicada, que fará a finalização dessa maravilha que não poderia ser intitulada com outra palavra que não sonho”, ressalta.
Por que investir em produzir e vender sonho no food service brasileiro?
Ainda se perguntando se investir em produzir e vender sonho no food service brasileiro realmente vale a pena? Portanto, saiba também que, conforme a Instrutora Souza, do Senac EAD/PR, “o pão e todos os produtos de panificação permeiam todas as histórias, milenares ou atuais. Suas receitas e formas de preparo evoluíram ao longo dos anos. E, em um certo ponto, a industrialização desse setor foi vantajosa, já que passou a ser possível produzir mais, com custos menores. Entretanto, são as tradições e as iguarias feitas manualmente que têm um lugar especial no coração e no paladar dos consumidores hoje em dia. E os empreendedores da área já perceberam essa tendência e, por isso, é uma vantagem ter o conhecimento de técnicas para a realização dos produtos de forma artesanal, conceito hoje muito atual para pessoas que prezam a saúde e o bem-estar da família. Uma prova disso é a enorme variedade de padarias que se vangloria de suas tradições ou do estabelecimento, ou das receitas empregadas em suas produções. O segredo para se manter relevante é trabalhar a origem em toda a amplitude da palavra e transmitir o conceito para que possa ser comprado pelo potencial cliente. Certamente, houve muitas mudanças e variações no modo de preparo e insumos para a realização do sonho. Contudo, o sabor tradicional de algo de muita qualidade é o desejo do consumidor. Considero o sonho uma receita atemporal e, muitas vezes, é um produto com gosto de infância. E justamente por isso as pessoas estão dispostas a pagar por esse resgate do sabor”, sinaliza.
Ferraro, da Confeitaria Dulca e Sonheria Dulca, alega que investir em produzir e comercializar sonho atualmente no Brasil vale a pena, pois “acredito na tradição desse doce na vida dos brasileiros, da memória que as pessoas têm da infância quando o vendedor de sonhos passava de bicicleta nas ruas. Além disso, é frito né? E quem não gosta de um docinho frito?”, questiona.
Boccomino, da Sonheria DonnaJu, argumenta que “o sonho é uma receita que envolve muitas características apreciadas pelos brasileiros e é muito versátil. A massa dele é aceita, inclusive, com recheios salgados que já temos também no nosso menu. Além disso, o custo de produção do sonho é baixo, apesar de requerer habilidade e especialização no seu preparo. Assim como, é um produto que tem custo-benefício muito bom e a margem de lucro pode ser bem interessante, principalmente, se o posicionamento de marca for bem trabalhado, conseguindo aumentar a percepção de valor do produto. Ou seja, o sonho torna-se um produto desejo com facilidade”, assegura.
Como é na prática produzir e vender sonho no food service brasileiro?
Mas, agora, você deve estar se perguntando: como é na prática produzir e vender sonho no atual food service brasileiro?
A gente te conta!
No caso da Confeitaria Dulca e da Sonheria Dulca, Ferraro compartilha que “eu comi esse doce a minha vida inteira por causa da confeitaria de família. E, depois de ter a oportunidade de morar e estudar confeitaria na Itália, voltei para o Brasil com a ideia de transformar esse produto em um business que seria um braço mais contemporâneo da Dulca e, assim, inauguramos a Sonheria Dulca, a primeira sonheria do Brasil. Nela, podíamos sair um pouco da veia tradicional da Dulca que, na época, só vendia o sonho recheado de creme baunilha, e brincar com os sabores dos recheios. Já tínhamos o diferencial da nossa massa feita com levin (fermento natural), que é extremante macia, e, com a Sonheria, inventamos outras formas de apresentar esse produto. Desenvolvemos então recheios diferentes, como pistache, abóbora com coco para o Halloween, geleia de morango com glitter para o Natal. Fizemos ainda uma versão de sonho recheado com sorvete e até opções salgadas. Foi muito divertido. Mas, o legal mesmo foi ver a reação das pessoas consumindo um produto nostálgico que remetia às memórias de infância, porém, em uma versão de altíssima qualidade e com essas variações de sabores. Nesse processo, eu entendi que, muitas vezes, os sonhos de padaria são sobras de massas que fazem uma bolinha e fritam. Por causa disso, muitos sonhos acabam ficando massudos e pesados. Nesse sentido, o nosso diferencial está na massa. Nós usamos um fermento natural que foi iniciado na época do meu bisavô. Nós alimentamos e mantemos ele vivo até hoje. O processo todo demora 48 horas até o bolinho ser frito. Bem como, todos os nossos recheios também são feitos com matérias-primas de qualidade. Outro ponto importante é o equilíbrio entre recheio e massa. Sei que nós brasileiros gostamos com bastante recheio, mas acho importante conseguir sentir a massa também”, enfatiza.
Na Sonheria DonnaJu, Boccomino divide que “trabalho com sonhos desde 2016, quando desenvolvi a primeira receita e iniciei a comercialização. Sempre gostei de fazer resgates de doces da infância que remetiam à afetividade e às reuniões em família, assim como fiz com o bolo gelado que está ativo no menu da minha loja desde 2013 sem interrupções. Sempre busquei por inovações para apresentar aos clientes e, com isso, acabei percebendo que, na época que eu comecei, o sonho estava restrito apenas aos balcões de padarias e mercados, além de bem ‘esquecidinho por todos’ pelo meu Estado. Então, eu entendi que aquele seria o produto que eu iria resgatar, que era o produto da vez e não deu outra. Preparei algumas unidades e tratei logo de produzir alguns vídeos e fotos tentadoras para postar nas redes sociais. Bingo, pois, desde então, passei os próximos dias com superlotação da produção e não vencia nada produzido. Tudo que eu fazia, vendia. Isso se manteve por bastante tempo e, com isso, pude perceber que esse era um produto que valia a pena investir para desenvolvê-lo ainda mais. Foi assim que, ao longo dos anos, eu aprimorei a massa do meu sonho com muito estudo e testes até chegar na fórmula atual, que foi batizada pelos meus próprios clientes como o ‘sonho nuvem’ pela característica da massa super fofinha que fazemos e a surpresa dos recheios, que são artesanais, de assinatura própria. O nosso sonho é todo diferente de qualquer outro, já que a massa não é adocicada como os tradicionais e os recheios ganham uma atenção total. Eles são produzidos artesanalmente e tem textura e dulçor controlados para que a experiência do cliente seja incrível todas as vezes que ele provar. É um produto que tem muita conectividade com os brasileiros e isso torna mais fácil a inserção no mercado, uma vez que, mesmo ele sendo diferenciado, todo mundo já conhece e sabe pelo menos uma base do que é um sonho”, relata.
Dicas para começar a produzir e vender sonho no food service brasileiro
Já querendo também começar a produzir e vender sonho no food service brasileiro, não é mesmo? Entretanto, antes, confira dicas que pedimos especialmente para você aos especialistas entrevistados.
Para a Instrutora Souza, do Senac EAD/PR, hoje em dia, “o sonho é um ‘sonho de consumo’ para os alunos que buscam um sabor artesanal, tendo como padrão os produtos industrializados, hoje, ofertados em grande maioria de panificadoras e franquias do doce. Do mesmo modo, a busca por produtos artesanais traz aos alunos para o aprendizado e, com isso, tornando um momento de encontro ao real sabor de um produto de qualidade. Vale destacar que os cursos ministrados no Senac atualmente dão autonomia na capacitação de futuros padeiros e empreendedores nesse universo da panificação. Além disso, para uma produção comercial do sonho, é necessário investimento em alguns equipamentos para se manter o padrão exigido no comércio e, assim, atender a necessidade do consumidor cada vez mais exigente e gourmant. Nesse sentido, o principal diferencial é focar na qualidade das matérias-primas, sendo a mais importante a farinha. Garanta que a marca usada seja de boa qualidade para dar a aparência e o sabor do sonho tradicional. Trabalhar com bons fornecedores pode fazer toda a diferença no resultado que chega até o consumidor. Isso vale para todos os outros ingredientes utilizados, como leite, açúcar, manteiga, ovos, fermento, entre outros. O sonho é um item de forte presença em padarias e casas de pães artesanais do Brasil. Por isso, para se destacar nesse mercado e alcançar consumidores, é importante criar variedades do produto que chamem a atenção. Recheios diferentes e sabores diferenciados são algumas das opções para inovar na produção, sem se afastar demais da receita original. O consumidor, ao decidir comprar o produto, está certo de que fará essa viagem gastronômica e se faz necessário que atenda esse desejo”, recomenda.
Ferraro, da Confeitaria Dulca e Sonheria Dulca, recomenda que “prove diferentes sonhos de diferentes lugares e entenda qual te agrada mais antes de empreender nesse ramo. A partir daí, a dica é ir para a cozinha e testar receitas até que chegue na sua preferida. Indico também um curso básico de panificação e fermentação para os iniciantes, pois, para manter o padrão, é necessário entender os processos químicos e físicos que a massa fermentada passa”, orienta.
Boccomino, da Sonheria DonnaJu, por sua vez, aconselha “estudar o processo de fabricação do sonho, além da forma de venda e embalagens. É essencial pensar em todas as etapas de produção para quem vai começar a trabalhar com sonho. É um doce que pode ser feito na cozinha de casa, mas é preciso respeitar as etapas de produção e entender que ele precisa do fluxo. Então, a dica principal, na verdade, tem a ver com a venda dele: faça um bom ‘barulho’ nas redes sociais para criar um fluxo de vendas, pois isso vai favorecer o processo de produção”, aponta.