Rua Ferreira de Araújo, número 841, bairro Pinheiros, São Paulo, capital. Esse é o endereço do restaurante por meio do qual Ieda de Matos Nascimento, de 49 anos, natural da Chapada da Diamantina, na Bahia, retoma à sua raiz e exerce uma verdadeira vida de chef todos os dias.
Chamado de Casa de Ieda, o restaurante é a tradução clara da história de vida profissional e pessoal da chef, que, em entrevista exclusiva à Rede Food Service, divide como é a vida de chef de uma baiana em meio aos paulistas.
Quem é Ieda de Matos?
Casada com ‘Zé’ e mãe de um filho, Matos é uma mulher “humilde, com pés no chão, passos curtos e bem definidos. Gosto muito de um ditado que meu pai sempre me falou: tudo demais é sobra! Adoro voltar para a Chapada Diamantina e acompanhar todos os anos o que está acontecendo por lá e aproveito para pisar descalça no chão e ter o contato com a natureza, que me reconecta com minha história”, se apresenta.
Sobre o seu lado profissional, a chef relata que, rotineiramente, “busco melhorar meus conhecimentos e estar atenta às demandas do restaurante, mas sem abrir mão dos meus princípios e da minha história contada em cada prato. Hoje, o meu filho é o meu subchefe e já sou avó do Arthur, que, sempre que possível, está comigo na cozinha. É difícil conciliar a vida pessoal com a profissional. No entanto, é fundamental estar conectada e ter essa energia para seguir a caminhada. Falo isso porque a Casa de Ieda é um empreendimento familiar. A família unifica e ajuda no resgate das nossas raízes e heranças culturais”, esclarece.
História de vida e formação
Matos é a prova viva de que talento e prática fazem toda a diferença no mercado food service. Afinal, apesar de ter se formado em Gastronomia apenas aos 42 anos, a chef possui experiência de mais de 15 anos no ramo de alimentação. “Já trabalho com a venda de alimentos há mais de 15 anos, mas meu contato mais profissional com o setor se deu quando resolvi abrir um food truck em 2013. Eu sempre estudei em escolas públicas, mas meu maior sonho sempre foi ter formação superior. A luta sempre foi grande e somente com 42 anos coloquei a mão no diploma superior, que é o primeiro da minha família. Além de realizar esse sonho, o diploma tem uma simbologia enorme para o que é a história socioeconômica da minha família e de muitos brasileiros”, comemora.
Durante sua graduação, Matos também pode ter uma experiência no exterior, já que o seu marido “recebeu uma bolsa de estudos para fazer mestrado na KU Leuven, na Bélgica. Aproveitei e arrumei minhas malas para viver essa experiência. Assim, tive a oportunidade de estagiar na Bélgica, na cidade de Tervuren, em um pequeno restaurante local. E, já em Londres, pude estagiar no Tendido Cuatro”, conta.
Vida de chef dona de restaurante
Matos vive uma vida de chef mais empresarial desde 2017, quando abriu o seu restaurante Casa de Ieda. No entanto, ela garante que só somou mais essa função. “Lá, eu faço um trabalho de resgate de ingredientes e preparos da minha terra, aliando tudo isso aos conhecimentos adquiridos às técnicas e vivências em outros Estados do Brasil. A rotina que vivo é bem puxada, já que tenho o cuidado de estar presente em todos os processos. Me envolvo em tudo e a vida na gastronomia, pelo menos no meu caso, não tem nenhum glamour. Faço de tudo e costumo dizer que um cozinheiro precisa ser organizado, saber limpar e, depois, cozinhar”, resume.
Também conforme Matos, “vida de chef é sempre carregada de atividades. Embora você tenha profissionais para te apoiar, o negócio é seu e você tem que fazer tudo acontecer. A alma do negócio está em você, já que os visitantes estão procurando uma experiência, que é muito mais do que o simples ato de se alimentar. E para que isso aconteça é preciso um trabalho árduo”, garante.
Experiências que marcam
Em seus mais de 15 anos de experiência no ramo de alimentação, Matos assegura que já vivenciou momentos diversos, mas que um deles te marcou para sempre. “Tenho experiências negativas e positivas como chef. Tento aprender com todas elas. Uma delas diz respeito ao preconceito racial, que ainda é muito presente na nossa sociedade e que temos que combater fortemente. Hoje, ainda recebo visitantes que, no final da refeição, me perguntam se posso agradecer a chef Ieda de Matos. E, quando digo que sou a chef, vejo no olhar que parece que não poderia ser eu ocupando esse lugar. Por outro lado, uma grande maioria se sente acolhido com minha comida afetiva. Um dia, recebi uma visita que me marcou. Era uma mulher, que pediu para servir uma comida o mais rápido possível, pois só tinha vinte minutos para comer e não se importava com o que chegasse no prato. Mas, eu disse para ela que faria um prato que atendesse aos seus desejos. E, no final de tudo, a visitante me chamou e, na minha frente, chorou, porque a minha comida a fez lembrar profundamente da avó, inclusive, a bebida que servi no dia, um fermentado afrobaiano chamado Aluá. Em resumo, uma refeição que não podia passar de vinte minutos, durou aproximadamente uma hora e meia”, relembra.
Sonhos e metas
Multitarefa, Matos partilha também que seu sonho “sempre foi dar luz à minha terra, a Chapada Diamantina, bem como os produtos e produtores de ingredientes de origem. Nunca perco a oportunidade de divulgar o trabalho das cooperativas baianas que fazem um trabalho essencial. Venho da agricultura familiar, tempos em que nem pensava em abrir um restaurante e trabalhar com food service. Na minha opinião, uma boa cozinha só pode existir se tiver ingredientes bons”, afirma.
Já sobre suas atuais metas, a chef revela que pretende “publicar um livro que fale sobre as cooperativas baianas e que retrate a Chapada Diamantina, que ainda está fora dos grandes circuitos turísticos”, explica.
Visão de mercado
Experiente, Matos possui uma visão de mercado bastante apurada e acredita que o atual nicho food service “está sempre se adaptando aos novos requisitos. Hoje, a sociedade exige mudanças periódicas e estar preparado para todas as mudanças são desafios correntes. Por esse motivo, precisamos sempre estar preparados e uma forma seria olhar para tudo que está acontecendo, participando de atividades da área e buscando conhecimento. Formação contínua é um dos caminhos para seguir no mercado de maneira diferenciada”, aconselha.
A chef acrescenta que a alimentação em si “vem transformando a maneira pela qual nos relacionamos com o que comemos. Hoje, as pessoas buscam, cada vez mais, saber de onde vem os ingredientes que estão no seu prato. O alimento traz toda uma cultura e uma história, que deve ser contada por meio de um cardápio, da música que toca no salão, do ambiente que está ao redor do comensal. Atualmente, tudo isso e muito mais faz toda a diferença no momento da refeição. Experiência e alimentação caminham juntas para que tudo tenha sentido e as pessoas se sintam conectadas com o universo da comida e, sobretudo, entendam que o alimento no prato representa uma cadeia muito maior”, enfatiza.
Adaptações frente à pandemia de Covid-19
Como a maioria dos empresários do setor de alimentação fora do lar, Matos também foi pega de surpresa pela atual pandemia de Covid-19 e seus respectivos efeitos sociais e econômicos. Com isso, ela comenta que precisou fazer algumas adaptações no seu negócio. “Tudo mudou desde a chegada da doença. Primeiro, fiquei paranoica durante três meses. Mas, depois, eu percebi que, se ficasse mais uma semana esperando tudo normalizar, nunca mais abriria a porta do restaurante e meu sonho estaria comprometido. Assim, pensei em como oferecer algo para minhas visitas que estavam interrompidas por causa da pandemia. Foi, então, que pensei em fazer um kit acarajé e abará para tentar pagar as contas e seguir com o sonho. Deu muito certo já na primeira edição, que esgotou em poucos dias. Dessa forma, logo, criei um fanzine para explicar o alimento, pois tem muita história por trás desse alimento sagrado que, hoje, representa nossa herança africana. O restaurante ficou fechado todo esse tempo e eu só pretendo retornar agora com o Caruru de Cosme e Damião, uma festa que faço desde o primeiro ano em que abri as portas para receber cada um dos visitantes”, detalha.
Dica da chef
Por fim, generosa, Matos indica a todos que queiram iniciar na vida de chef como ela que “comecem entendendo que um chef não é aquele que tem um diploma na mão. A formação acadêmica é fundamental na minha opinião. Até porque, dependendo da sua origem socioeconômica, não vale ser autodidata. Você sempre irá precisar de papeis para provar sua capacidade e competência. Embora diploma não seja tudo, é uma parte do processo. Assim, a dica que dou é que aprenda tudo que as áreas da profissão possam te oferecer. Valorize todos aqueles que estão envolvidos. Seja cozinheiro antes de tudo. Saiba organizar e limpar. Conheça a história do seu país, os Estados e suas culinárias. Defenda a gastronomia brasileira”, recomenda.
E aí? Ficou inspirado (a) com a vida de chef de Ieda Matos, não é mesmo? Esperamos que sim, pois esse é o propósito de nós da Rede Food Service. Te mostrar os bastidores dessa profissão ‘suada’, mas formada por muito talento e amor. Então, continue nos acompanhando!